Queridos amigos e comunidade,
Hoje nos reunimos para celebrar Yom Teruah. Esta data é muito mais do que apenas a comemoração de um ciclo novo no calendário e a cabeça do ano; é um momento de introspecção profunda, de reconexão com nossos valores e de renovação espiritual. O nome Yom Teruah nos lembra do som do shofar, que ecoa por todo o mundo judaico neste dia. Mas o que realmente significa o som do shofar? Qual o seu propósito?
O Tanakh nos dá algumas pistas. Deus diz a Mosheh: “Fala aos filhos de Israel, dizendo: No sétimo mês, no primeiro dia do mês, tereis um dia de santa convocação, um memorial com som de trombetas.” O shofar aqui é descrito como um som de zicaron (memória). Mas “memória” de quê?
Se em Pessach se nos diz para recordarmos da saída do Egito, se em Shavuot nos recordamos da entrega da Torah, aqui nos lembramos do quê? A que somos convocados a lembrar?
O som do shofar nos liga ao passado, recordando-nos da Akeidah, o sacrifício de Itzchak, um dos momentos mais fundamentais na nossa história espiritual. O shofar ressoa em uma frequência que vibra em nossa carne e sangue, em nossas mãos, coração e cabeça, lembrando-nos de quem somos. E quem deveríamos ser. Nos faz lembrar com este som ancestral e simples que estivemos logo ao lado daquele monte e ouvimos os estrondos grandiosos do Único. Estivemos lá e estamos aqui.
Esse som ancestral e simples é mais do que um símbolo, é mais do que lembrar do passado - ele é um chamado. O toque do shofar nos convida a despertar. Como ensina Maimônides, em Hilchot Teshuvá 3:4: "O som do shofar é como se estivesse nos dizendo: 'Acordem de seu sono, vocês que estão dormindo, e despertem de sua sonolência!'”. O shofar nos sacode da nossa complacência espiritual. Ele desperta nossa consciência adormecida e nos chama para uma teshuvah sincera – o retorno à nossa essência, ao nosso propósito e à conexão com o Criador.
Agora somos chamados a nos conectar com o que há de mais essencial: nossa alma, nossos valores e nosso compromisso com o próximo. O shofar nos lembra que a mudança começa dentro de nós, como o profeta Ezequiel nos ensina em Yechezkel 18:31: "Lançai de vós todas as vossas transgressões... e fazei para vós um coração novo e um espírito novo." Este é o convite da teshuvah: criar uma renovação genuína de coração e espírito.
Mas o despertar não é apenas individual; ele também é coletivo. O som do shofar une nossa comunidade, nossos lares e nosso povo. Esse som ancestral e simples ressoa pelas camadas invisíveis da atmosfera - e além. Como comunidade, somos chamados a nos apoiar uns aos outros em nosso caminho espiritual, como diz Kohelet (Eclesiastes) 4:9-10: "Melhor é serem dois do que um... Pois se caírem, um levantará o companheiro." Em tempos de desafios, isto nos lembra que não estamos sozinhos. A renovação e a transformação que buscamos são reforçadas pelo apoio da nossa comunidade.
Além de despertar, o dia de hoje, Yom Teruah, tradicionalmente também Rosh HaShana, é uma data de esperança. Somos ensinados que, neste dia, Deus alerta toda a humanidade, e o destino de cada ser é escrito no Livro da Vida daqui a poucos dias. Como recitamos nas orações de Unetanneh Tokef: "No Rosh Hashaná é escrito, e no Yom Kipur é selado... quem viverá e quem morrerá, quem terá repouso e quem vagueará...". Estas palavras intensas não são para nos encher de medo, mas para nos inspirar à ação.
Elas nos ensinam que o poder do livro está em nossas mãos – que através da teshuvah (arrependimento sincero e profundo com atos que designam e correspondam firmemente a isto), tefilah (a prece que transpassa nossa carne e ressoa além) e tzedakah (agradecimento de justiça por tudo que nos foi emprestado), podemos transformar nosso caminho.
Esse conceito ecoa na passagem de Devarim 30:19, onde Mosheh diz: "Tenho posto diante de ti a vida e a morte, a bênção e a maldição; escolherás, pois, a vida, para que vivas, tu e a tua descendência." A escolha é nossa. Mas, de um jeito ou de outro, escolherás. Não apenas “escolherás” porque isto ocorrerá, de facto, mas deverá ocorrer. Não é um convite simples, mas uma declaração que constata que necessariamente “escolherás” - e ao som do shofar, ancestral e simples, somos instados, ao iniciar os Yamim Noraim (Dias Temíveis), a optar, a decidir, a agir. Podemos escolher o caminho da renovação, do crescimento e da conexão com o divino. Mas, ainda, mesmo que decida por não escolher, já estará escolhendo! Escolherás. Escolheremos.
Mas, se o verbo no futuro está, também é ato contínuo do próprio tempo, estamos o tempo todo a escolher. Escolherás e já estás escolhendo agora.
Ao ouvir o shofar, ancestral e simples, somos lembrados da Akeidah (o "Sacrifício de Itzchak"). O som do chifre de um carneiro nos rememora da Emunah. Na Akeidah, aprendemos sobre a entrega total a Deus e a confiança em Sua justiça.
Por fim, o shofar também aponta para o futuro. Os profetas falam do toque do shofar, ancestral e simples, como um sinal da redenção final. Em Yeshayahu 27:13 está escrito: "E será naquele dia que se tocará um grande shofar, e os que estavam perdidos... voltarão para adorar o Senhor no Monte Sagrado, em Jerusalém." O som do shofar não apenas nos desperta para o presente, mas nos lembra da nossa esperança redentora, de um mundo de paz e justiça - que não culmina com algum Superman descendo dos céus - mas nos lembra da esperança redentora que conecta passado, presente e futuro em nós mesmos, em mim e em você.
O tempo é mais uma ilusão da nossa mente… Que possamos responder ao chamado do shofar, ancestral e simples, com corações abertos, prontos para crescer e mudar. Ancestral porque descende dos mais profundos rincões do tempo. Simples porque é único, não-composto, em ressonância com Aquele que instilou a vida em nossas narinas.
Shanah Tovah Umetukah!
O texto oferece uma profunda e bela meditação sobre o significado espiritual de Yom Teruah e a ressonância do som do shofar. Ele nos conduz por uma jornada que entrelaça passado, presente e futuro, mostrando como o toque ancestral e simples do shofar é um verdadeiro chamado ao despertar espiritual, assim como à renovação, tanto pessoal quanto coletiva. Ao conectar-se com os ensinamentos bíblicos, como a Akeidah, e o convite à teshuvá, tefilá e tzedaká, enfatiza-se que Yom Teruah é um momento significativo de ação e transformação. Este período nos convoca a refletir sobre nossas escolhas e a importância da comunidade em nosso caminho espiritual, reforçando que a verdadeira renovação deve ser compartilhada. A essência dessa celebração é, portanto, um…