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Entre Lembrar e Guardar: Como o Quarto Mandamento Transforma o Shabat em Experiência Espiritual

Foto do escritor: Charton Baggio ScheneiderCharton Baggio Scheneider

O quarto mandamento da Torá, que ordena a observância do Shabat, é um dos mais centrais e significativos na tradição judaica. Esse mandamento, embora essencialmente o mesmo, é expresso de maneira ligeiramente diferente em duas passagens da Torá: em Shemot (Êxodo 20:8-11) e em Devarim (Deuteronômio 5:12-15). Ambas as versões enfocam o descanso no sétimo dia, mas as palavras hebraicas utilizadas — "lembrar" (em Shemot) e "guardar" (em Devarim) — conferem nuances distintas ao entendimento e à observância do Shabat. Estas diferenças oferecem uma visão profunda sobre como o Shabat deve ser vivido, tanto em termos espirituais quanto sociais.


Lembrar o Shabat: A Perspectiva de Shemot

Em Shemot, o mandamento começa com o verbo hebraico זָכַר (zakar), que significa "lembrar". O versículo diz: "Lembra-te do dia de sábado, para santificá-lo" (Êxodo 20:8). O verbo "lembrar" aqui não se refere apenas a uma recordação simples ou mecânica. Zakar carrega um sentido mais profundo de trazer à mente de forma ativa e consciente. A Torá nos instrui a refletir sobre o Shabat como um dia dedicado a Deus, um tempo para parar e recordar o ato divino da criação. O descanso no Shabat não é apenas uma pausa do trabalho, mas uma oportunidade para refletir sobre o mundo criado por Deus e a necessidade de repouso no ciclo da vida humana.

A palavra "lembrar" implica uma prática de recordação ativa, não apenas mental, mas também espiritual. Ao "lembrar" do Shabat, os judeus são chamados a internalizar o significado profundo desse dia, refletindo sobre a criação e sobre o papel humano dentro dela. O Talmud (Berakhot 20a) comenta que a lembrança do Shabat deve ser acompanhada de ações concretas, como a recitação de bênçãos e o acendimento de velas, o que ajuda a transformar o conceito de lembrança em uma experiência vivencial.


Guardar o Shabat: A Perspectiva de Devarim

Por outro lado, em Devarim, o mandamento usa o verbo שָׁמוֹר (shamor), que significa "guardar" ou "preservar". O versículo em Devarim 5:12 diz: "Guardarás o dia de sábado, para santificá-lo, como te ordenou o Senhor teu Deus." O verbo "guardar" carrega uma conotação de proteção ativa e preservação. Ao contrário de "lembrar", que enfatiza a reflexão, "guardar" implica uma ação mais concreta e prática.

Em Devarim, o Shabat não é apenas um dia para ser lembrado espiritualmente, mas também para ser protegido das distrações e do trabalho cotidiano. A palavra "guardar" sugere um esforço consciente para preservar a santidade do dia, mantendo-o livre de atividades profanas. Esse verbo indica a responsabilidade de manter o Shabat em seu estado sagrado, o que envolve garantir que o dia seja vivido de acordo com os preceitos divinos, sem a interferência de compromissos externos ou atividades mundanas.

Além disso, a versão de Devarim reforça a inclusão social no descanso sabático, estendendo-o não apenas à família, mas também aos servos e até aos animais (Deuteronômio 5:14). O verbo "guardar" tem, portanto, uma dimensão social e comunitária, lembrando aos israelitas que o Shabat deve ser um tempo de igualdade e liberdade para todos, sem distinção de classe ou status.


Lembrar e Guardar: Duas Perspectivas Complementares

Embora os termos "lembrar" e "guardar" sejam usados de forma distinta, ambos os verbos desempenham papéis cruciais no entendimento do Shabat. O verbo "lembrar" (em Shemot) nos chama a refletir sobre o Shabat de maneira consciente, fazendo com que ele se torne um ponto de contato com a criação e com o divino. Lembrar é uma prática ativa de reconhecimento do que o Shabat representa — um tempo de pausa, reflexão e renovação espiritual.

Por outro lado, o verbo "guardar" (em Devarim) implica um compromisso prático e protetivo. Guardar o Shabat não é apenas uma questão de recordação mental, mas de proteger e preservar a santidade desse dia, assegurando que ele seja vivido de acordo com os preceitos divinos e sem interrupções externas. "Guardar" também implica uma responsabilidade social, garantindo que todos, sem exceção, possam desfrutar do descanso e da dignidade proporcionados pelo Shabat.


A Relevância de Lembrar e Guardar nos Dias de Hoje

Essas duas perspectivas, lembrar e guardar, continuam a ser extremamente relevantes no contexto moderno. No mundo agitado de hoje, o lembrar do Shabat, como enfatizado em Shemot, oferece uma pausa necessária para a reflexão e reconexão com Deus e com o propósito da vida. Já o guardar do Shabat, conforme visto em Devarim, é um lembrete de que a prática do descanso não deve ser deixada ao acaso, mas sim protegida e vivida com intencionalidade, tanto no aspecto espiritual quanto social.

Em um tempo em que o trabalho e o consumismo são constantes, a necessidade de lembrar e guardar o Shabat oferece um contra-ponto essencial — um chamado à reflexão e à ação consciente. O Shabat, então, não é apenas um dia no calendário, mas uma prática de preservação da dignidade humana e da espiritualidade, que exige tanto uma recordação interna quanto uma ação protetiva e comunitária.


Conclusão

A diferença entre "lembrar" em Shemot e "guardar" em Devarim revela camadas ricas de significado sobre o Shabat. Ambos os verbos — lembrar e guardar — se complementam e refletem a abordagem judaica multifacetada em relação ao descanso sabático. Lembrar o Shabat é um convite à introspecção e à reflexão sobre a criação e o significado do tempo. Guardá-lo é um compromisso de proteger e manter a santidade desse dia, preservando-o da profanação e garantindo que todos tenham a oportunidade de desfrutar de seu descanso. Juntos, esses mandamentos nos ensinam que o Shabat deve ser vivido de forma consciente, protetiva e inclusiva — um dia de paz, dignidade e renovação para todos.

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1 Comment


Muito esclarecedor o texto. Bom saber que o shabat não é apenas mais um dia de descanso, mas que vai muito além disso.

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